quarta-feira, 16 de dezembro de 2009

A Doce História de Quem Não Aprendeu a Falar

Por mais que tentasse, não conseguia. Não importava quando e nem com quem. Simplesmente, não podia. Isso era desde moço. Procurou mudar, jura. Só que lhe faltava o essencial, que nem ao menos o próprio sabia do que se tratava. Talvez fosse pedir demais. Já não dotava do embasamento necessário para tal, e ainda se via em um posto de conformidade imposta. Procurou ajuda. O que não adiantou muito. Tentou resolver como nos filmes. Também não obteve êxito. Prometeu a si mesmo que não veria mais nenhuma obra do gênero. Olhou em volta, com a esperança de que algo lhe servisse de inspiração. Quem sabe o céu. Não, não. Ou então o mar. A maresia não lhe agradava muito. Compor uma música talvez. Não era dos mais afinados. Chegou a cogitar desistir. Só que não podia. Não dessa vez. Resolveu então lutar pelo que ansiava, mesmo que corresse todos os riscos. Os tais riscos que o fizeram por tantas vezes se omitir. Tinha medo. Medo de não conseguir. Medo de não saber nem o que balbuciar. E continuava tendo. Era linda. Acho que a mais por quem o rapaz já sentiu. Era doce. Moça dos olhos d’água. Tão bela quanto a mais suave melodia já composta. Era hora. Não havia mais pelo que esperar. Mas, de que forma, se nem a mais simples vogal era pronunciada¿ Tornava-se cada vez menos provável. O que não devia importar muito, nunca foi bom em probabilidade. Só que importava. Mesmo tentando ouvir os conselhos alheios, que nem sempre ajudaram. Mas, que serviam ao menos de consolo. Caminhava através dos campos. Delirando a vontade de soletrar. Esperando o que já não devia. Palavras amigas ou não lhe atormentavam. Sim, a adorava. E esperava. O doce momento onde pudesse. Por mais que demorasse. Um poeta sem palavras, que clamava por um verso que fosse. Diante de tamanha falta, tentou se adequar. Buscou, novamente, saídas. Dessa vez, fez do seu jeito. O que não deveria. Nem ao menos pensou. Escreveu. Entregou. Uma rosa. Um bilhete. E fugiu. Observou. O olhar da bendita. Viu a lágrima que escorreu. Sorriu. Já era o bastante.

terça-feira, 3 de novembro de 2009

João

Não estava bem, era evidente. João se ressentia de alguma coisa que fizera por esses dias. Percebia que não era o mesmo. Como se não houvesse mais sentimentos em seu interior. Referências passadas se extinguiam assim como perspectivas futuras. Falta de esperança. Talvez, nem seja esse exatamente o vocábulo. Há uma ausência sentida. Só que ainda não se soube discernir de qual vazio se trata. Na verdade, sabe-se de onde provém o vácuo citado. Tudo bem que não surgiram muitas vertentes a serem seguidas. Tudo bem que não foram capazes talvez. Mas, João não as culpa. A culpa é dele. E apenas dele. Todo o bem que tanto prezava se esvaia aos poucos. Era mais cômodo ser assim. Mais prazeroso em diversas oportunidades. Simplesmente, não estava mais disposto. Não fazia isso por mal, apenas, segundo ele, se adaptou ao que é exigido. Noite na Taverna foi retirado da cabeceira. Álvares de Azevedo deixou de ser lido. Um bem estar meramente hedonista aparentava ser o estado quisto. Expressões latinas, bucólicas e efêmeras surgiam em meio aos seus pensamentos. Achava que já não mais podia. Ou pior, tinha certeza. Tornara-se frio... Passou a calcular. Resolvia equações quilométricas. Fugia da mínima possibilidade de marcar a alternativa errada. Não que quisesse marcar alguma. Era só por precaução. Passou, também, a conjugar. Em todos os tempos e em todas as pessoas. Atentava para a transitividade. Concluía. Há verbos que não necessitam de complemento para serem conjugados. E João parecia mesmo ser um desses.

domingo, 21 de junho de 2009

Hora de Partir

Me acomodei em teu peito
No mais seguro leito
Tão carinhoso e doce.
Estava lá. Por mais cruel que fosse.

Tentei por vezes sair.
Juro, esforço eu fiz.
Só que não me deixavas.
Não te culpo, também não quis.

Hoje, percebi.
Que não devo mais
Um coração iludir
Vou ancorar em outro cais.

E assim libertar
Quem só me fez bem
Agora, devo ir.
É hora de partir.

terça-feira, 16 de junho de 2009

Presente

Nem todos os aniversários foram felizes para ele. Presentes e festas nem sempre condiziam com o desejado. Tinha esperança de encontrar entre os embrulhos aquilo que pedira e sonhara a cada ano. A ansiedade todas as vezes o tomava, corria, sem ao menos parar para pensar nos possíveis desgostos de sua afobação. E rasgava todos. Rasgava com raiva, não por mal, mas por um extravasamento de seus sentimentos. Foi assim por vários anos, por várias festas. Em um desses dias, quando já não acreditava mais, um embrulho novo se destacava em meio ao colorido dos outros. Não quis saber de nenhum desses, aquele o atraia de forma única. Uma sensação boa, uma vontade de não mais olhar outro presente cresceu dentro dele. Decidiu não abri-lo de tão belo que era. Então, o guardou na mais escondida gaveta de seu bagunçado armário. Não era o dia de desembrulhar. Não foi o dia por muito tempo. Tinha medo de não corresponder com o que ansiava, ou mesmo de que outrem desfizesse o laço vermelho que o envolvia. Trancada a gaveta estava, e muito bem trancada. Com chave única, que carregava consigo por onde andava. Não queria correr o risco. Na modorrenta tarde de um sábado qualquer, teve que sair às pressas. Correu, estava atrasado. Só que, atravessando a avenida, necessitou repentinamente do que pensava estar dentro da caixa de papelão enfeitada. Um sentimento de inquietude aumentava, como se não tivesse a certeza de que o presente estaria lá onde deixou. Como se não tivesse mais a garantia de sua presença. E de fato não tinha. Havia esquecido a chave. Voltou rapidamente a seu quarto, abriu seu armário... e caiu de joelhos. Lágrimas escorreram: o embrulho estava aberto. Alguém tirava do pobre mancebo aquilo que ele mais prezava. Não tinha mais o que por tanto a tempo cultivou. Um cultivo incerto, pois não fazia ideia do conteúdo da caixa. Não sentiu a satisfação de tê-lo aberto, muito menos de ter o privilégio se usufruir do que estava guardado. Desiludido ficou. Outros aniversários passaram, outros presentes vieram. Mas, não tinha vontade de abri-los. Pareciam banais e sem valor. Talvez, até dotassem de valia, só que não observada. Chegou a pensar em não querer mais presentes. Não queria mais sentir a decepção de perder outra vez. Viveu por algum tempo assim, até que, em uma manhã despretensiosa, abriu o armário para pegar algo qualquer. Não acreditava: o embrulho estava novamente feito. Da mesma forma que deixou antes daquela fria tarde de sábado. Pensou com seus botões a razão do presente ter voltado sem chegar a qualquer conclusão lógica. Abriu-o imediatamente ao vê-lo novamente, certo? Não. Então, vai guardá-lo outra vez? Também não. Na verdade, até hoje, não sabe o que fazer. Paira uma dúvida cruel em sua mente: abre-o mesmo não tendo a certeza de estar pronto para abrir ou guarda-o com o idealismo de antes. Talvez, nem haja, realmente, essa dúvida. Guardá-lo tão fervorosamente, de certo, não fará mais. Quanto a abrir, ainda não se decidiu. Essa sim é a verdadeira dúvida. Com o tempo optará, só que não se sabe quanto tempo ele terá.

quinta-feira, 19 de março de 2009

Não mais, Pierrot.




Terça de Carnaval. Festejos ao som de frevo, enfeites e fantasias decorando o ambiente. Alguns mascarando, talvez. Escondendo algo que já não quisera que se fosse percebido. Pierrot entra no pátio. Belas moças presentes no recinto. Uma chamou-lhe a atenção, mesmo que rapidamente. Uma menina de vestido verde reluzente. Fantasiada de fada. Ou não. Pierrot não tinha certeza do que era. Porém, não era esse o verdadeiro foco dos olhares do jovem. Ela estava lá: Colombina. Esbanjando simpatia e beleza pelo salão. Fazendo-se notar por onde passava. Exalando seu suave perfume, que já enfeitiçara o alegre Pierrot. Pierrot estava, novamente, compenetrado na jovem moça, a espera de um aceno. De um sorriso, quem sabe. Espera que perdurava por tempos. Nunca com a resposta ansiada. Eis que surge um aceno. E, pasmem, um sorriso também. Uma felicidade não antes sentida toma o coração do jovem rapaz. Ajeitou-se, intrépido, e rumou pelo caminho que tanto desejava. Chegando lá, notara o real endereço do cumprimento. Não, não era ele o destinatário. Era a Arlequim tal saudação. A antes felicidade torna-se uma frustração sem tamanho. Não mais queria ficar. Decidiu, então, ir para a esquina esquecer. De repente, uma mão o toca. E uma voz pede que não vá. Era a menina do vestido. Pierrot, mesmo assim, já havia se decidido. Ela insistiu. Relutava por sua presença no pátio. De tão persistente, conseguiu convencê-lo. O mancebo, pela primeira vez, vidrou realmente os olhos na moça. Era linda mesmo. Existia algo diferente em seu olhar. Algo nunca presenciado por ele. Então, para o baile voltaram. Pierrot sentia-se novamente feliz. Percebera que outras esquinas também existiam pela avenida. Na quarta-feira, pensou em se desfazer das cinzas que a tanto tempo estavam em seu coração. Pensou melhor. Não, não iria mais. Viu que era um pecado simplesmente excluir tudo o que viveu, tudo o que sentiu. Elas permaneceriam lá. Só que em um espaço diferente. Então, Carnaval se foi. E com ele o que mais marcava o jovem garoto. Um dia novo raiou. O dia em que Pierrot deixou de chorar pelo amor da Colombina.